quarta-feira, 11 de agosto de 2010 | By: Saulo Diniz Ferreira

ELEIÇÃO Pt 2 - ( Charles H. Spurgeon)


Abuso da doutrina da graça que leva a uma vida religiosa pecaminosa, indolente e frouxa.

Se vocês tivessem oportunidade de ler as muitas epístolas que os antigos pais da Igreja escreveram, então descobririam que eles sempre se dirigiram ao povo de Deus chamando-os de “os eleitos”. De fato, o vocábulo comumente utilizado nas conversações diárias, entre muitos daqueles cristãos primitivos, para aludirem uns aos outros, era “eleito”. Com grande frequência empregavam o termo para se dirigirem uns aos outros, ficando assim demonstrado que eles acreditavam que todo o povo de Deus manifestamente se compõe de “eleitos” do Senhor.

No entanto, passemos a examinar os versículos bíblicos que provarão, de forma positiva, a veracidade dessa doutrina. Abram suas Bíblias no trecho de João 15:16, e ali vocês observarão que Jesus Cristo escolheu o Seu povo, pois Ele mesmo declara: “Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros, e vos designei para que vades e deis frutos, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda”. E em seguida, no versículo 19 desse mesmo capítulo, assegura o Senhor: “Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário dele vos escolhi, por isso o mundo vos odeia”. Verifiquem também o que está escrito em João 17:8, 9: “... porque eu lhes tenho transmitido as palavras que me deste, e eles as receberam e verdadeiramente conheceram que saí de ti, e creram que tu me enviaste. É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus”. E abramos ainda as nossas Bíblias na passagem de Atos 13:48: “Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna”. Se certos indivíduos quiserem dissecar em pedacinhos miúdos essa passagem, poderão fazê-lo; mas o fato inegável é que ela diz “destinados para a vida eterna”, no original grego, tão claramente como é possível dizê-lo; e não nos importamos com todos os comentários em contrário que têm surgido. Vocês quase nem precisam ser relembrados a respeito do que ensina o capítulo 8 da epístola aos Romanos, porque confio que vocês estão perfeitamente familiarizados com aquele capítulo, e que, por esta altura dos acontecimentos, já o estão compreendendo perfeitamente bem. Lemos ali, nos versículos 29 e seguintes: “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou. Que diremos, pois, á vista destas cousas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou a seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura não nos dará graciosamente com ele todas as cousas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? Deus quem os justifica”.

Por semelhante modo, é desnecessário repetir por inteiro o capítulo 9 da epístola aos Romanos. Enquanto esse capítulo continuar sendo uma parte integrante das Escrituras, ninguém será capaz de provar que o arminianismo está com a razão. Enquanto esse capítulo estiver ali, nem mesmo as mais violentas distorções do texto serão capazes de extirpar das Escrituras a doutrina da eleição. Não obstante, leiamos versículos como este: “E ainda não eram os gémeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama), já fora dito a ela: O mais velho será servo do mais moço” (vv. 11 e 12). E em seguida lemos, no versículo 22 e seguintes: “Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão. .”

Mas poderíamos, igualmente, apelar para o trecho de Romanos 11:7, que determina: “Que diremos, pois? O que Israel busca isso não conseguiu; mas a eleição o alcançou; e os mais foram endurecidos”. E no versículo 5 daquele mesmo capítulo, lemos: “Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça”. Não há que duvidar, porém, que vocês todos estão lembrados da passagem de 1 Coríntios 1:26-29, que estipula: “Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação; visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento; pelo contrário, Deus escolheu as cousas loucas do mundo para envergonhar os sábios, e escolheu as cousas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as cousas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus" uma vez mais, recordemo-nos de uma passagem como a de 1 Tessalonicenses 5:9: “... porque Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação mediante nosso Senhor Jesus Cristo”. E, finalmente, vocês poderão considerar o meu texto, o qual, conforme penso, deveria servir de prova suficiente da doutrina da eleição. Entretanto, se vocês continuam precisando de mais provas, poderão encontrá-las procurando-as com mais vagar, se porventura não têm conseguido até agora remover as suas dúvidas a respeito da doutrina.

Queridos amigos, a mim parece que esse avassalador acumulo de testemunho bíblico deveria deixar boquiabertos àqueles que ousam rir da doutrina da eleição. Que poderíamos dizer a respeito daqueles que tão frequentemente têm desprezado essa doutrina, e negado a sua origem divina, que têm escarnecido de sua justiça e têm ousado desafiar ao próprio Deus, intitulando-O de tirano todo-poderoso, ao ouvirem dizer que Ele escolheu certo número de seres humanos para a vida eterna? Ó rejeitador da verdade, podes realmente extirpar da Bíblia essa verdade? Podes brandir o canivete de Jeudi e arrancar essa verdade da Palavra de Deus? Preferirias ser semelhante àquela mulher, aos pés de Salomão, que estava disposta a ver a criancinha partida pelo meio, a fim de ficar com a sua metade? Porventura, não é clara a existência dessa doutrina aqui nas Escrituras? E não faz parte do teu dever te inclinares diante da verdade, aceitando humildemente o que por acaso ainda não pudeste entender dela? — e dando-lhe acolhida, embora não possas compreender todo o seu significado?

Não tentarei provar a justiça de Deus, por haver Ele escolhido a alguns para a salvação e ter deixado outros de lado. Não cabe a mim vindicar o meu Senhor. Ele falará por Si mesmo. E Ele efetivamente o faz, dizendo: “Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro para desonra?” (Romanos 9:20, 21). Além disso, lemos: “Ai daquele que diz ao pai: Por que geras? e à mulher Por que dás à luz?” (Isaias 45:10). Eu sou o Senhor, teu Deus, eu crio a luz e crio as trevas. Sou o Senhor de todas as coisas. Quem és tu, que replicas a Deus? Estremece e beija o Seu cetro; prostra-te e submete-te diante de Sua vara; não impugnes a Sua justiça, e nem queiras julgar os Seus atos diante do teu próprio tribunal, Ó homem!

Não obstante, há alguns que objetam: — muito difícil aceitar que Deus tenha escolhido a alguns e tenha deixado a outros! Ora, é por esta altura de minha exposição que desejo fazer a vocês uma indagação: Há algum de vocês aqui que deseja ser santo, que deseja ser regenerado, que deseja abandonar o pecado e andar em santidade? E alguém poderia responder-me: “Sim, eu quero!” Pois muito bem, nesse caso, Deus escolheu a esse alguém. Mas eis que uma outra pessoa talvez replique: “Não, eu não quero ser santo, e nem quero desistir das minhas paixões e dos meus vícios!” Neste Último caso, retruco: Por que, então, você fica aí se queixando do fato de que Deus não o escolheu? Pois se você tivesse sido escolhido, não estaria apreciando o fato de ter sido eleito, de acordo com a sua própria confissão. Se Deus lhe tivesse escolhido para a santidade, ainda nesta manhã você teria acabado de afirmar que não se importaria nem um pouco com isso!

Porventura, você já reconheceu que prefere viver no alcoolismo, e não na sobriedade, que prefere viver na desonestidade, e não na honestidade? Você ama mais aos prazeres mundanos do que à piedade cristã. Assim sendo, por qual razão você fica murmurando diante do fato de que Deus não o escolheu para a piedade? Se porventura você ama a piedade, então é que Deus o escolheu para viver piedosamente. Em caso contrário, qual direito você tem para dizer que Deus lhe deveria ter dado aquilo que você não deseja? Suponhamos que eu tivesse aqui, em minha mão, alguma coisa a que você não desse valor, e eu dissesse que a daria a esta ou àquela pessoa. Nesse caso, você não teria qualquer direito de queixar-se do fato de que eu não a oferecera a você. Você não seria tão insensato a ponto de murmurar que aquela outra pessoa obteve aquilo que não lhe interessa nem um pouco. De conformidade com as suas próprias confissões, muitos de vocês não apreciam a piedade cristã, não querem ser donos de um coração renovado e nem de um espírito reto, não querem receber o perdão dos pecados e nem querem experimentar a santificação. E isso quer dizer, por sua vez, que vocês não gostariam de terem sido escolhidos para essas realidades espirituais. Assim, pois, do que vocês ainda estão se queixando? Vocês consideram todas essas coisas como se fossem apenas lixo. E por qual motivo haveriam de queixar-se de Deus, o qual outorgou essas mesmas coisas àqueles a quem Ele escolheu? Mas, se vocês acreditam que essas coisas são boas, e se chegam a desejá-las, então elas estão à disposição de vocês. Deus as dá liberalmente para todos aqueles que as desejam. Porém, antes de mais nada, Ele faz com que tais indivíduos realmente desejem essas bênçãos, porquanto, do contrário, jamais poderiam desejá-las. O grande fato é que se vocês chegarem a amar a essas realidades, então é porque Deus terá escolhido vocês para as receberem, e vocês poderão obtê-las. Mas, por outro lado, se vocês não desejam tais bênçãos, quem são vocês para descobrirem alguma falta em Deus, quando é a própria vontade obstinada de vocês que os impede de dar valor a essas coisas "eu" quando é o próprio "eu" de vocês que os leva a odiarem essas bênçãos?

Suponhamos que um homem qualquer, lá na rua, dissesse: “Que vergonha que não me tenha sido garantido um assento no auditório, para eu ouvir o que esse pregador tem para dizer. Não posso tolerar a doutrina dele; e, no entanto, é uma vergonha que eu não tenha nenhum assento reservado ali!” Algum de vocês esperaria ouvir um homem qualquer dizer coisas dessa natureza? Não, pois todos vocês replicariam prontamente: “Aquele homem não se importa com essa oportunidade”. Por qual motivo ele se sentiria perturbado porque outras pessoas possuem aquilo a que elas dão valor, mas que ele mesmo despreza? Você não aprecia a santidade; você não aprecia a retidão. E se Deus me escolheu para essas coisas, isso deixa você ofendido? Porém, alguém poderia comentar: “Ah! mas é que eu pensava que essa doutrina significa que Deus escolheu alguns para o céu, e outros para o inferno!” A verdade é que esse conceito exprime algo inteiramente diferente da doutrina do Evangelho. Pelo contrário, Deus escolheu indivíduos para a santidade e para a retidão, e, através disso, para o céu. Ninguém pode dizer que Deus simplesmente escolheu alguns para o céu, e outros para o inferno. Antes, Deus escolheu você para a santidade, se é que você ama a santidade. Se qualquer um de vocês, aqui presente, aprecia ter sido salvo por Jesus Cristo, então é que Jesus cristo escolheu esse alguém para a salvação. Se qualquer um de vocês, aqui presente, deseja obter a salvação, então é que esse alguém foi escolhido para receber a salvação, se é que a deseja sincera e intensamente. Por outra parte, se você não deseja ser salvo, então por qual razão, afinal de contas, você mostra-se tão insensato a ponto de murmurar do fato de que Deus outorgou a outras pessoas aquilo que você não gosta? Assim sendo, tenho procurado esclarecer alguma coisa a respeito da verdade da doutrina da eleição. Mas agora, permitam-me declarar, de maneira bem breve, que a eleição se reveste de uma natureza absoluta, ou, em outras palavras, que ela não depende daquilo que somos em nós mesmos. O texto sagrado assevera: “… Deus vos escolheu desde o principio para a salvação...". E, no entanto, nossos oponentes asseguram que Deus escolhe as pessoas porque elas são boas; que Ele escolhe os indivíduos por causa de diversas coisas que eles tenham praticado. Porém, em resposta ás ideias de nossos oponentes, indago: Quais obras são essas, em vista das quais Deus teria elegido o Seu povo?

Seriam as obras às quais comumente chamamos de “obras da lei” — obras de obediência, que a criatura humana é capaz de realizar? Nesse caso, replicaremos aos tais: Se os homens não podem ser justificados pelas obras da lei, parece perfeitamente claro que também não podem ter sido eleitos em vista das obras da lei. E se os homens não podem ser justificados por seus feitos corretos, então é que também não podem ser salvos através dos mesmos. E dai segue-se que o decreto da eleição não pode ter sido baixado com base nas boas obras humanas.

Mas eis que alguns outros insistem: “Deus escolheu os Seus eleitos com base na fé prevista que eles haveriam de ter!” Ora, Deus é quem nos outorga a fé, o que significa que Ele não pode ter selecionado os Seus eleitos com base na fé que Ele previu que eles teriam. Suponhamos que havendo vinte pedintes numa rua, eu tome a resolução de dar a um deles uma nota de cem reais. Entretanto, poderia alguém asseverar que eu resolvi doar aqueles cem reais a um deles, que eu o escolhi para receber aquela importância porque eu previ que ele aceitaria os cem reais? Isso seria dizer asneiras. Por semelhante modo, afirmar-se que Deus escolheu a certos indivíduos por haver previsto que eles exerceriam fé, o que é salvação ainda em forma germinal, seria uma declaração tão absurda que não poderíamos conferir-lhe atenção, nem por um instante sequer. A fé é dom de Deus. E cada virtude também procede do Senhor. Por conseguinte, nem uma coisa e nem outra pode ter sido a causa que levou Deus a escolher a determinados indivíduos, porquanto essa escolha é um dom gratuito.

Estamos plenamente convictos de que a eleição é absoluta e inteiramente independente das virtudes que os santos possam exibir posteriormente. Ainda que um certo crente venha a ser tão santo e devoto quanto Paulo; ainda que venha a ser tão ousado na fé quanto Pedro, ou tão cheio de amor quanto João, contudo, ele nada poderia reivindicar da parte de seu Criador. Eu jamais conheci qualquer crente, de qualquer denominação evangélica, que tenha pensado que Deus o salvou por haver previsto que ele possuiria alguma dessas virtudes ou algum de tais méritos.

Ora, meus irmãos, as mais excelentes joias que um santo jamais pode usar neste mundo, se forem joias de sua própria feitura, não serão joias de primeira qualidade. Nessas joias sempre haverá algum elemento terreno, misturado com elas. Semelhantemente, a mais exaltada graça que podemos chegar a possuir, envolve algum elemento terreno. Sentimos isso quando já atingimos o mais elevado refinamento possível, quando já chegamos a um alto grau de santificação; e mesmo então a nossa linguagem obrigatoriamente terá de ser:
“Sou o principal dos pecadores,
Mas Jesus morreu por mim”.


A nossa única esperança, o nosso apelo exclusivo, continua dependendo unicamente da graça de Deus, conforme ela se manifestou na pessoa de Jesus Cristo. E estou certo de que devemos repelir decididamente e desconsiderar qualquer pensamento que conceba que as graças que possuímos, as quais são dons conferidos por nosso Senhor, que foram em nós plantadas pela Sua mão direita, poderiam ter sido a causa do Seu amor por nós. Diante disso, cumpre-nos entoar sempre:
“Que poderia haver em nós para merecer estima, Ou conferir deleite ao Criador?
Assim foi, Pai, e isso nos anima, Do Teu querer ser nosso Galardoador”.


“Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia, e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão” (Romanos 9:15). Sim, Deus salva porque quer salvar. E se alguém me perguntasse por qual motivo Ele me salvou, eu poderia retrucar somente que Ele assim fez porque assim quis fazer. Haveria em mim qualquer coisa que me recomendasse diante dos olhos de Deus? Não; sou forçado a desconsiderar toda e qualquer consideração a esse respeito. Nada tenho que possa recomendar-me diante do Senhor. Quando Deus me salvou, eu era o mais abjeto, o mais perdido e arruinado membro da raça humana. Eu jazia diante de Deus como um recém-nascido. Na verdade, faltava-me todo e qualquer poder para ajudar-me a mim mesmo. Oh, quão miserável eu me sentia e sabia ser. Se você tem alguma coisa que o recomende diante de Deus, eu nunca tive coisa nenhuma. Antes, fico contente em haver sido salvo pela graça divina, graça pura e sem qualquer mistura. Não posso jactar-me de quaisquer méritos pessoais. Se você pode jactar-se de alguma coisa, eu não o posso. Antes, só me resta entoar estas palavras:
“Só a livre graça, do principio ao fim,
Me salvou a alma e susterá a mim”


Em terceiro lugar, essa eleição é eterna. “... Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação...” Pode algum dos leitores dizer-me quando foi o princípio? Poderíamos retroceder até aos milênios já passados, quando os mundos foram criados e sistemas foram postos em ordem; mas, em lá chegando, nem tenhamos nos aproximado do princípio. Enquanto não recuarmos até ao tempo em que o universo inteiro dormia na mente de Deus, como algo que ainda não havia nascido, enquanto não penetrarmos na eternidade, onde Deus, o Criador, vivia solitário, quando tudo ainda dormia dentro d’Ele, quando a criação inteira repousava em Seu pensamento todo abrangente e gigantesco, não teremos nem começado a sondar o principio. Podemos ficar retrocedendo, retrocedendo e retrocedendo, eras e mais eras sem fim. Poderíamos ficar retrocedendo, se pudéssemos empregar palavras tão estranhas, durante eternidades inteiras, e ainda assim não teríamos chegado ao principio. Nossas asas cairiam de exaustão, nossa imaginação feneceria. Os nossos pensamentos poderiam ultrapassar o corisco de um relâmpago em majestade, poder e rapidez, mas tudo isso se extinguiria antes, muito antes de chegarmos ao principio.

Não obstante, desde o principio Deus escolheu o Seu povo; quando o espaço celeste nunca dantes navegado não era ainda agitado pelo marulhar das asas de um único anjo, quando o espaço não tinha limites, ou melhor, nem havia sido expandido, quando imperava um silêncio universal, e quando nenhuma voz ou murmúrio chocava a solenidade do silêncio total; quando ainda não existia qualquer ser, ou movimento, ou tempo, e quando coisa nenhuma, exceto o próprio Deus, existia, e Ele estava sozinho na eternidade; quando, sem que qualquer anjo levantasse o seu cântico, sem a ajuda do primeiro dos querubins; muitíssimo antes das criaturas vivas terem vindo à existência, ou de terem sido formadas as rodas da carruagem de Jeová. Sim, quando “no princípio era o Verbo”, quando no principio o povo de Deus era um com o Verbo, foi então que Ele escolheu os Seus eleitos para a vida eterna. Assim sendo, a nossa eleição procede desde a eternidade. No entanto, não me rebaixarei para tentar provar esse ponto. Tão-somente citei por alto esses pensamentos, visando o beneficio dos crentes ainda principiantes, a fim de ajudá-los a compreender melhor o que queremos dar a entender com eleição eterna e absoluta.

Em seguida, cabe-nos refletir que a eleição é algo pessoal. Quanto a esse particular, novamente, os nossos oponentes têm procurado transtornar a doutrina da eleição ao afirmarem que deve estar em pauta a eleição de nações inteiras, e não de indivíduos isolados. Entretanto, o apóstolo havia declarado: "... Deus vos escolheu...“ Trata-se de uma das mais miseráveis e infundadas distorções do mundo, essa que procura mostrar que Deus não escolheu indivíduos, e, sim, nações inteiras. Porque a mesmíssima objeção que pode ser levantada contra a escolha de indivíduos isolados, pode ser lançada contra a escolha de nações. Se houvesse qualquer erro em ter Deus escolhido indivíduos, teria sido muito mais injusto ainda, da parte d’Ele, se Ele tivesse escolhido nações, posto que as nações são apenas um agregado de grandes multidões de indivíduos. E escolher uma nação parece ser um crime mais gigantesco — se é que a eleição é um crime — do que escolher meros indivíduos. Não há que duvidar que escolher dez mil pessoas deve ser reputado como pior do que escolher um único indivíduo, se tal escolha estiver laborando em erro. Distinguir uma Única nação dentre o restante da humanidade parece-me ser uma extravagância muito maior, nos atos da soberania divina, do que escolher alguns poucos mortais, ficando outros negligenciados.

Do que se compõem as nações, senão de indivíduos? Que são povos inteiros, senão combinações de diferentes unidades? Uma nação qualquer compõe-se deste individuo, e daquele, e daquele outro, e mais daquele ainda. E se alguém me disser que Deus escolheu aos judeus, então eu retrucarei que Deus selecionou aquele judeu, e mais aquele, e aquele outro ainda. E se essa mesma pessoa insistir que Deus escolheu a Inglaterra, então direi que Deus escolheu aquele inglês, e mais aquele inglês, e aquele outro também, e mais um outro inglês, isso posto, tudo redunda na mesma coisa, afinal de contas. Por conseguinte, a eleição é uma questão inteiramente pessoal; é necessário que assim seja. Toda e qualquer pessoa que leia este texto bíblico, como também quaisquer outras passagens paralelas, verá que as Escrituras continuamente se referem ao povo de Deus, destacando indivíduo por indivíduo; e elas referem-se a cada um deles como um objeto especial da eleição divina. “Filhos somos pela divina eleição, Por Jesus Cristo, em quem nós cremos; Pela eterna predestinação Graça soberana hoje recebemos.”

Sabemos que a Bíblia ensina uma eleição individual. Um outro pensamento que ainda precisamos ventilar é que a eleição produz bons resultados. “...Deus vos escolheu desde o principio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade.” Um número impressionantemente grande de pessoas compreende mal e distorce inteiramente a doutrina da eleição! E quanto a minha alma fica indignada e ferve, ao lembrar-se dos terríveis malefícios resultantes das distorções e do manuseio malicioso dessa gloriosa porção da gloriosa verdade divina! Quantos existem que têm dito para si mesmos: “Eu sou um dos eleitos!” E, têm-se sentado no ócio, ou pior ainda do que isso. Esses tais têm dito: “Eu sou um dos eleitos de Deus!” E então, com ambas as mãos têm praticado a iniquidade. Esses tais têm corrido sofregamente atrás de tudo quanto é perverso, porquanto pensam assim: “Sou um filho escolhido de Deus, sem importar qual seja a minha conduta. E, por conseguinte, vivo como bem quiser e faço o que melhor me parecer”.

Oh, amados! Permitam-me advertir solenemente a cada um de vocês para jamais forçarem tanto a verdade da Bíblia; melhor ainda, para nunca transformarem a verdade em mentira, através de distorção. É possível ultrapassar a verdade, fazendo com que aquilo que tinha o propósito de ser um doce consolo transforme-se numa terrível mistura venenosa, para nossa própria destruição. Afianço a vocês que tem havido milhares e milhares de pessoas que têm se arruinado, por haverem compreendido errônea e distorcidamente a doutrina da eleição. Essas pessoas têm dito: “Deus me escolheu para ir para o céu e para receber a vida eterna!” E, no entanto, elas têm se esquecido de que está escrito que Deus nos escolheu “... pela santificação do Espírito e fé na verdade...” Essa é a autêntica eleição divina — a eleição para a santificação e para a fé. Deus escolhe o Seu povo para que seja crente e santo. Quantos de vocês são crentes verdadeiros? Quantos membros de qualquer congregação podem pôr a mão sobre o peito e dizer “Confio em Deus que estou sendo santificado!” Há alguém aí que afirme: “Eu sou um dos eleitos!” Posso relembrar-lhe que, ainda no decorrer desta semana, você usou de palavras torpes. Um de vocês fala: “Acho que sou um dos escolhidos!”, mas eu posso despertar a sua memória a respeito de alguma ação pecaminosa e má que você cometeu durante a semana passada. Um outro talvez alegue: “Sou um dos eleitos de Deus!”, mas eu mesmo olho para você bem dentro dos olhos, e digo: Eleito! Você é o hipócrita mais maldito que conheço! Outros de vocês talvez digam: “Eu sou eleito!”, não obstante, posso recordá-los de que costumam negligenciar o trono da misericórdia divina, e jamais oram. Oh, amados! Jamais pensem que são eleitos enquanto não forem santos. Você pode aproximar-se de Jesus Cristo como um pecador, mas não pode aproximar-se d’Ele como uma pessoa eleita enquanto sua santidade não for visível. Portanto, não entendam mal o que aqui assevero: Não pense que você pode continuar no pecado e ainda pertencer ao grupo dos eleitos. Isso é algo simplesmente impossível.

Os eleitos de Deus são santos. Não são puros, não são perfeitos, não são imaculados. Porém, levando-se em conta as vidas deles como um todo, eles são pessoas santificadas. São pessoas marcadas, separadas dos seus semelhantes. Nenhum homem tem o direito de concluir que pertence ao número dos eleitos, exceto com base em sua própria santidade. Talvez um individuo qualquer seja mesmo um dos eleitos do Senhor, e, no entanto, esteja vivendo nas trevas. Por isso mesmo, esse individuo não tem o direito de tirar a conclusão de que é um dos eleitos, pois ninguém pode perceber quaisquer evidências de sua eleição. Tal individuo talvez venha a receber a vida eterna, algum dia; mas, por enquanto, está morto. Por outro lado, se vocês estão realmente andando no temor de Deus, procurando agradá-Lo, obedecendo aos Seus mandamentos, então não duvidem de que seus nomes foram registrados no livro da vida do Cordeiro, desde antes da fundação do mundo. E, para que esse ensino não pareça exageradamente elevado para vocês, observem um outro sinal da eleição divina, a saber, a fé. “... e fé na verdade”.

Qualquer pessoa que confia na verdade de Deus, que confia em Jesus Cristo, é uma pessoa eleita. Com frequência chego a conhecer alguma pobre alma, a qual se desgasta e se preocupa diante do seguinte pensamento: “E se eu não for um dos eleitos, afinal?” E continua ainda: “Sei que tenho depositado a minha confiança em Jesus; sei que creio em Seu nome e confio no Seu sangue. Mas, o que adianta se eu não for um dos eleitos, afinal de contas?”

Pobre e querida criatura humana! Sem dúvida você não sabe muita coisa do Evangelho, porque, do contrário, você não pensaria nesses termos, visto que aquele que crê é um dos eleitos.

Aqueles que foram eleitos, também foram escolhidos para a santificação e para a fé; e, assim sendo, se você tem fé, então você é um dos eleitos de Deus. Você pode saber disso, e até deveria ter conhecimento dessa realidade, porquanto se trata de uma certeza absoluta. Se você, na qualidade de pecador que é, vier a contemplar a Jesus Cristo, e disser:
“Coisa alguma em minhas mãos eu trago,
Somente em Tua cruz me agarro,
então você é um dos eleitos.



Trecho Retirado do Sermão de Charles H. Spurgeon – Eleição.
Por Saulo Diniz Ferreira – Brasília DF

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quarta-feira, 4 de agosto de 2010 | By: Saulo Diniz Ferreira

ELEIÇÃO Pt 1 - ( Charles H. Spurgeon)


“Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus, por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade, para o que também vos chamou mediante o nosso evangelho, para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo” (II Tessalonicenses 2:13,14).

Em primeiro lugar falarei um pouco a respeito da veracidade dessa doutrina: “... Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação...“

Em segundo lugar, procurarei provar que a eleição reveste-se de um caráter absoluto: Deus “... vos escolheu desde o principio para a salvação...”, não para a santificação, e, sim, “... pela santificação do Espírito e fé na verdade...”

Em terceiro lugar, a eleição é eterna, porque o texto afirma: “... Deus vos escolheu desde o principio...”

Em quarto lugar, trata-se de uma eleição de caráter pessoal: “... Deus vos escolheu...”

E, em seguida, consideraremos os efeitos dessa doutrina — avaliando aquilo que ela realiza.

E, finalmente, na medida em que formos capacitados por Deus, procuraremos examinar as suas tendências, a fim de averiguarmos se realmente trata-se de uma doutrina terrível e licenciosa, como alguns dizem. Por assim dizer, tomaremos a flor, e, à semelhança de verdadeiras abelhas, verificaremos se nessa doutrina há algum mel, se pode proceder dela algum bem, ou se ela é um mal sem mistura, não diluído.

Em primeiro lugar, procurarei provar que essa doutrina da eleição é verdadeira. E permitam-me começar com um argumento que é segundo os homens: falarei com vocês considerando suas diferentes posições e estágios de desenvolvimento. Aqui, há alguns de vocês pertencentes à Igreja Anglicana. Ora, eu sei perfeita- mente bem que vocês crêem profundamente naquilo que os [trinta e nove] Artigos declaram ser a sã doutrina. Oferecerei um exemplo daquilo que esses Artigos afirmam a respeito da eleição, de tal maneira que, se vocês acreditam realmente neles, não poderão deixar de receber a doutrina da eleição. Lerei certa porção do artigo XVII, que se manifesta sobre a predestinação e a eleição: “A predestinação para a vida é o propósito eterno de Deus mediante o qual (antes que fossem lançados os fundamentos do mundo) Ele decretou de maneira constante, através do Seu conselho secreto a nosso respeito, que livraria da maldição e da condenação àqueles a quem Ele escolhera em Cristo, dentre a humanidade, para conduzi-los à salvação eterna por meio de Cristo, como vasos destinados à honra. Em face disso, aqueles que foram dotados por Deus de tão excelente beneficio são chamados, de conformidade como propósito de Deus, pelo Seu Espírito, o qual atua no tempo apropriado, tendo em mira: que, pela graça, obedeçam a essa vocação; sejam gratuitamente justificados; sejam feitos filhos de Deus por adoção; sejam moldados segundo a imagem de Seu Filho unigênito, Jesus Cristo; andem piedosamente em boas obras; e, afinal, pela misericórdia de Deus, cheguem a bem-aventurança eterna”.

Expus esse artigo de fé diante de vocês, tão-somente para mostrar-lhes que, se vocês pertencem à Igreja Anglicana, pelo menos não quererão fazer objeção à doutrina da predestinação.

Uma outra autoridade humana, por intermédio da qual desejo confirmar a doutrina da eleição, é a antiga declaração de fé dos valdenses³. Se vocês tiverem a oportunidade de ler o credo dos antigos valdenses, que eles redigiram quando estavam sofrendo sob os ardores da perseguição, descobrirão que aqueles famosos seguidores e confessores da fé cristã davam a mais cordial acolhida e abraçavam essa doutrina, como uma porção da verdade revelada por Deus. Extrai de um livro antigo um dos artigos de fé dos valdenses: “Que Deus salva da corrupção e da condenação aqueles a quem escolheu desde antes da fundação do mundo, não por causa de qualquer disposição, fé ou santidade que Ele tenha previsto neles, mas por motivo de Sua pura misericórdia, em Cristo Jesus, Seu Filho, deixando de levar em conta quaisquer outras considerações, segundo a irrepreensível razão de Sua própria livre vontade e justiça”.

Portanto, não estou pregando aqui nenhuma novidade; nenhuma doutrina nova. Gosto imensamente de proclamar essas antigas e vigorosas doutrinas, que são conhecidas pelo cognome de calvinismo, mas que, por certo e verdadeiramente, são a verdade de Deus, a qual nos foi revelada em Jesus Cristo. Por meio dessa verdade da eleição, faço uma peregrinação ao passado, e, enquanto prossigo, contemplo pai após pai da Igreja, confessor após confessor, mártir após mártir levantarem-se e virem apertar minha mão. Se eu fosse um defensor do pelagianismo, ou acreditasse na doutrina do livre-arbítrio humano, então eu teria de prosseguir sozinho por séculos e mais séculos em minha peregrinação ao passado. Aqui e acolá, algum herege, de caráter não muito honrado, talvez se levantasse e me chamasse de irmão. Entretanto, aceitando como aceito essas realidades espirituais como o padrão de minha fé, contemplo a pátria dos antigos crentes povoada por numerosíssimos irmãos; posso contemplar multidões que confessam as mesmas verdades que defendo, multidões que reconhecem que essa é a religião da própria Igreja de Deus.

Também quero apresentar a vocês um extrato da antiga confissão batista. Nesta congregação, somos batistas — ou pelo menos a maioria de nós o é — e gostamos de averiguar o que os nossos predecessores escreveram. Cerca de duzentos anos atrás, os batistas se reuniram e publicaram os seus artigos de fé, a fim de que se pusesse um ponto final em certos rumores que atacavam a ortodoxia deles, rumores esses que já tinham dado volta ao mundo. Abro agora este antigo livro, e encontro o seguinte terceiro artigo: “Por decreto de Deus, tendo em vista a manifestação de Sua glória, alguns homens e anjos foram predestinados ou ordenados de antemão para a vida eterna, por meio de Jesus Cristo, para louvor de Sua gloriosa graça; e, quanto aos demais, foi-lhes permitido continuarem em seus pecados, tendo em vista a sua justa condenação, para o louvor da gloriosa justiça divina. Esses anjos e homens, assim predestinados e ordenados com antecedência, foram particular e imutavelmente designados, e o seu número foi determinado de maneira tão certa e definida que esse total não pode ser nem aumentado e nem diminuído. No caso daqueles membros da humanidade que foram predestinados para a vida, Deus, antes de serem lançados os fundamentos do mundo e de conformidade com o Seu eterno e imutável propósito, bem como de acordo com o secreto conselho e beneplácito de Sua vontade, escolheu em Cristo, para a glória eterna e com base em Sua pura graça gratuita e em Seu amor, sem que houvesse qualquer outra consideração na criatura, como condição ou causa que O tivesse impelido a isso, aqueles a quem assim o quis”.

Não obstante, no que concerne a esses testemunhos humanos autoritativos, não me importo nem um pouquinho sequer com eles. Não me interessa o que esses testemunhos afirmam, em favor ou contra a doutrina da eleição. Tão-somente lancei mão deles como uma espécie de confirmação para a vossa fé, a fim de mostrar a vocês que, embora eu possa ser acusado de ser um herege ou um hipercalvinista, em última análise, o testemunho mesmo da antiguidade está me prestando o seu apoio.

Se um mero punhado de nós postar-se na defesa inarredável da soberania do nosso Deus, ainda que sejamos cercados por muitos inimigos, até por nossos próprios irmãos, os quais deveriam ser nossos amigos e ajudadores, nada disso nos abalará, contanto que possamos contar com o apoio do passado. O nobre exército de mártires, as gloriosas hostes de confessores, esses serão os nossos amigos; e o próprio testemunho da verdade manifestar-se-á em nosso favor. Ora, contando com aliados assim, jamais poderemos dizer que estamos sozinhos; bem pelo contrário, poderemos exclamar: “Eis que o Senhor reservou sete mil homens que não dobraram joelhos diante de Baal” (veja Romanos 11:4). Porém, o fator mais importante de todos é que Deus está conosco.

As grandes verdades sempre se encontram na Bíblia, exclusivamente na Bíblia. Vocês não acreditam em qualquer outro livro além da Bíblia, acreditam? Se eu pudesse provar aquilo que afirmo, com base em todos os livros da cristandade; se eu pudesse voltar no tempo e achar provas na biblioteca de Alexandria, mesmo assim vocês não acreditariam nesta doutrina mais do que antes; mas por certo vocês darão crédito ao que diz a Palavra de Deus.

Selecionei alguns poucos textos para serem lidos a vocês. Quando temo que vocês possam desconfiar de alguma verdade, gosto de apresentar uma série inteira de passagens da Bíblia, a fim de que vocês se sintam por demais impressionados para duvidarem, se porventura realmente não acreditam em tal verdade. Tão-somente permitam-me examinar uma série de trechos bíblicos, onde os crentes são chamados de eleitos. Naturalmente, se as pessoas estão sendo chamadas de eleitas, não se pode duvidar que deve haver uma eleição. Se Jesus Cristo e os Seus apóstolos estavam acostumados a designar os discípulos pelo título de eleitos, então certamente devemos crer que é isso que eles são, porque, de outra maneira, tal vocábulo não significaria coisa nenhuma.

Jesus Cristo declarou: “Não tivesse o Senhor abreviado aqueles dias, e ninguém se salvaria; mas, por causa dos eleitos que ele escolheu, abreviou tais dias”. E também: ”... pois surgirão falsos cristos e falsos profetas, operando sinais e prodígios, para enganar, se possível, os próprios eleitos”. E ainda: “E ele enviará os anjos e reunirá os seus escolhidos dos quatro ventos, da extremidade da terra até a extremidade do céu” (Marcos 13:20, 22 e 27). “Não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los?” (Lucas 18:7). Juntamente com esses, muitos outros trechos bíblicos poderiam ser selecionados, onde aparecem palavras como “eleitos”, “escolhidos”, “conhecidos de antemão” ou “destinados”, ou então onde aparece alguma expressão como “minhas ovelhas”, ou alguma designação similar, demonstrando que o povo de Cristo é distinguido do resto da humanidade.

Porém, vocês devem possuir suas próprias concordâncias bíblicas, e não precisarei perturbá-los com muitos textos. Em todas as epístolas dos apóstolos, os santos são
continuamente chamados de “os eleitos”. Na epístola aos Colossenses, encontramos Paulo asseverando: “Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de temos afetos de misericórdia..." (3:12). Quando Paulo escreveu a Tito, designou a si mesmo nestes termos: “Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, para promover a fé que é dos eleitos de Deus (Tito 1:1). E, referindo-se aos crentes, o apóstolo Pedro estipula: “...eleitos, segundo a presciência de Deus Pai” (1 Pedro 1:2). E então, se vocês examinarem os escritos de João, descobrirão que ele apreciava muitíssimo esse vocábulo. Declara ele: “O presbítero à senhora eleita (II João 1). E também refere-se aos ... filhos da tua irmã eleita... (II João 13). E, por semelhante modo, sabemos onde é que está escrito: “Aquela que se encontra em Babilônia, também eleita, vos saúda...” (1 Pedro 5:13). Não, durante aqueles primeiros dias, os crentes não se envergonhavam de usar essa palavra; e nem receavam falar a respeito da ideia por ela representada.

No entanto, nestes nossos dias, tenho que admitir, esse vocábulo tem sido revestido de certa diversidade de significações, e muitas pessoas têm mutilado e manchado essa doutrina da eleição, de maneira tal que a têm transformado numa autêntica doutrina de demônios. E muitos daqueles que atualmente se chamam de crentes, bandearam-se para as fileiras dos antinomianos. A despeito de tudo isso, por qual motivo haveríamos de sentir vergonha dessa ideia, ainda que os homens a tenham distorcido? Amemos a verdade de Deus quando ela está sendo atacada, tanto quando ela está sendo aceita. Se por acaso houve algum mártir a quem já amávamos antes dele ser submetido à tortura da roda, deveríamos amá-lo mais ainda depois que ele já foi esticado e torturado ali. Quando a verdade de Deus é submetida às pressões, não devemos taxá-la de falsa. Gostamos devera verdade de Deus quando ela está sendo submetida a alguma provação, porque então podemos discernir qual é a exata proporção que ela teria se não tivesse sido distorcida e torturada pela crueldade e pelas invenções astuciosas dos homens.

Trecho Retirado do Sermão de Charles H. Spurgeon – Eleição.
Por Saulo Diniz Ferreira – Brasília DF

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